Uma Psiquiatria Integrativa: para quem?

Enquanto especialidade médica, a psiquiatria ocupa-se do diagnóstico, tratamento e reabilitação da doença psíquica. Derivada do grego psykhé (alma, sopro de vida), e iatreía, (arte de curar), historicamente a psiquiatria tem convivido com uma perspectiva dicotómica do ser humano em que a cura da mente se afasta da cura do corpo. De igual forma, e porque é mais fácil separar do que unir, tem prevalecido uma dialética que polariza arte e ciência, tradição e evidência, abstração e sensorialidade, diversidade e unidade. Ignora-se que o espírito e o simbólico também são preâmbulo da matéria, e que a dor ou o sofrimento provocadas pela doença podem ser a antecâmara de algo que é verdadeiro e belo.

À luz do conhecimento atual, assume-se que o corpo humano é integralmente psicossomático – não apenas temos, mas também somos o nosso corpo -, isto é, a saúde e a doença são influenciadas quer por fatores biológicos, quer psicológicos. No âmbito da investigação científica em Psiconeuroimunologia, admite-se que existe uma relação dinâmica e complexa entre os sistemas nervoso, imunitário e endocrinológico, na qual o chamado eixo cérebro-intestino tem um papel fundamental. Por outro lado, são vários os factores psicossociais que desenham as condições nas quais se desenvolve o adoecer de uma pessoa – desde a história e vínculos precoces aos padrões de interação pessoal e mecanismos usados para lidar com situações de adversidade e stress na vida adulta, os traços de personalidade e o estilo de vida (hábitos de trabalho, de sono, alimentação, exercício físico), as convicções éticas e indagações espirituais. Nesse sentido, a cura passará também por integrar tudo isso no plano de tratamento.

A Psiquiatria pode abraçar evidência científica com o conhecimento ancestral de tudo quanto exprime e revela a essência do humano. Em contexto interdisciplinar, deve propôr-se a uma açao clínica humanista e compassiva que se expande para além de um tecnicismo focado apenas no diagnóstico e na erradicação de sintomas, afastando-se de uma patologização do sofrimento e promovendo a individuação de cada pessoa. Em concreto, estabelece como pilares de ação:

· Intervenção psicoeducativa, visando: estilo de vida, regulação de stress, intervenção nutricional, intervenções mente-corpo, exercício físico;

· Psicoterapia;

· Psicofármacos;

Esta intervenção integrativa, individualizada e multidisciplinar, atribui primazia à relação terapêutica entre médico e paciente, no âmbito da qual os afetos têm palco, o corpo é escutado atentamente e a psiquiatra permanece ativa no diálogo e em decisões partilhadas com o paciente. Na lógica afetiva desta dialética, enraíza-se em princípios como a capacidade criativa e de auto-reparação do corpo/psiquismo e a necessidade fundamental do ser humano em encontrar sentido, não obstante o tamanho da sua dor e do seu sofrimento.

9 de outubro de 2024

Célia Soares | Médica Psiquiatra inscrita na Ordem dos Médicos nº 5684

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